Para Eduardo Lourenço, a obra de Saramago é um diálogo extraordinário  com a Bíblia. Harold Bloom dizia que Saramago era o mais talentoso  romancista vivo. E Cavaco Silva afirmou uma vez que os livros de  Saramago lhe desagradavam porque tinham demasiadas vírgulas. Enfim, cada  crítico literário com a sua mania. A mim, que não percebo nada de  literatura, pareceu-me que as explicações com que o Presidente da  República justificou a sua ausência do funeral de Saramago tinham  demasiadas reticências. 
    Bem sei que Cavaco decretou que a polémica em torno do facto de não  ter comparecido no enterro de Saramago era estéril. Mas, por azar, as  polémicas estéreis são as que mais me costumam interessar. Para  polémicas fecundas sempre revelei menos capacidades. 
    Primeiro, e na qualidade de cidadão especialista em evasivas, devo  lembrar que as melhores desculpas são singulares. Ora, Cavaco apresentou  três. Por um lado, disse que não conhecia Saramago. Por outro, disse  que não era amigo dele. Finalmente, alegou que prometera aos netos  mostrar-lhes as belezas dos Açores durante quatro dias. Só faltou dizer  que não iria ao funeral de Saramago por desconfiar que Saramago também  não irá ao dele. São demasiadas desculpas e, como é próprio das  desculpas múltiplas, são pobres. A circunstância de não ter uma relação  próxima com os homenageados nunca impediu o Presidente da República de  estar presente em cerimónias de Estado. Por exemplo, Cavaco comparece  sempre nas cerimónias comemorativas do 25 de Abril, embora mal conheça a  data e não seja propriamente amigo dela. Talvez seja melhor retificar a  regulamentação do luto nacional. O País fará luto por ocasião da morte  de uma personalidade de excecional relevância, a menos que o Presidente  da República se encontre a contemplar as Furnas.
    No entanto, também o facto de estar de férias não tem impedido o  Presidente de intervir em matérias de Estado. Ainda fresca na nossa  memória está a importante comunicação ao País sobre o estatuto  político-administrativo dos Açores, por causa do qual Cavaco Silva  interrompeu o merecido descanso, há cerca de um ano e meio. Creio que,  se o estatuto político-administrativo dos Açores tivesse falecido,  Cavaco teria pedido desculpa aos netos e ter-se-ia dirigido ao Alto de  São João para lhe prestar a última homenagem. Tendo morrido só um homem,  não houve necessidade de perturbar o turismo. Na verdade, foi apenas  isso que aconteceu. Não morreu um santo nem um demónio. Morreu um homem.  Logo por coincidência, dos três é o meu preferido.
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